Em meio às discussões sobre mudanças que ajudem a reduzir os juros do rotativo do cartão de crédito, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), que representa diferentes emissores, bandeiras e credenciadoras, apresentou um conjunto de propostas ao Banco Central (BC).
Entre as medidas, estão o fim, parcial ou total, do rotativo, com migração automática da dívida para um parcelamento, e a criação de um fórum de indústria para discussão de possíveis “aperfeiçoamentos” no parcelado sem juros. As propostas, construídas a partir de estudo de uma consultoria contratada, foram apresentadas em reunião com o diretor de regulação do BC, Otavio Damaso.
“Levamos ao BC a constatação de que não há bala de prata para resolver o problema, por isso, é necessário discutir vários assuntos, alguns espinhosos para um ou outro participante. Outro ponto é que somos contrários a qualquer tipo de tabelamento” disse o vice-presidente executivo da Abecs, Ricardo Vieira, ao Valor. A cesta de propostas foi construída a partir dessas premissas.
Neste mês, o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, esquentou as discussões após dizer que está em discussão o fim do rotativo, assim como mudanças na dinâmica do parcelado sem juros. As declarações geraram embate entre diferentes participantes da indústria.
De um lado, grandes bancos indicaram aceitar a ideia de acabar com o rotativo desde que a medida venha acompanhada de uma redução do número de prestações sem juros. Já varejo, credenciadoras e até emissores de menor porte se manifestaram de forma contrária a medidas que afetem o parcelado sem juros.
No estudo, a Abecs defende que a substituição do rotativo por um parcelamento automático poderia ser total ou parcial. Ou seja, em um dos cenários, no primeiro dia de atraso da fatura o cliente já entraria no parcelamento. Em outro, isso ocorreria após alguns dias, como cinco, por exemplo. Hoje, a modalidade é limitada a 30 dias. Vieira afirma que a decisão precisa considerar questões ligadas a regulação, transparência e tributação e, por isso, é necessário aprofundamento.
Em relação ao parcelamento, cada banco definiria as taxas praticadas, mas deveria haver um processo “evolutivo” de redução dos juros, acompanhado pelo BC. “O objetivo é tentar manter o equilíbrio de receitas perto do atual”, diz o executivo.
Há pouco embate no setor sobre o fim do rotativo, mas a história é muito diferente quando o assunto é o parcelado sem juros. Nesse cenário, a Abecs se propõe a chamar um fórum, com diferentes participantes da indústria de cartões e do varejo, para discutir a possibilidade de aperfeiçoamentos na modalidade. O processo seria acompanhado pelo BC.
Vieira frisa que a associação não está propondo que haja mudanças, mas uma discussão técnica para evitar decisões unilaterais que tragam problemas ao comércio e portadores. “Em última instância, quem define o limite para o parcelamento é o banco. Se cada instituição começar a ajustar isso por conta própria, pode causar confusão”, afirma.
Ele diz ser natural que não haja consenso sobre o tema, já que os modelos de negócios são concorrentes, mas acredita que é possível levar adiante uma discussão técnica. “Não seria um fórum permanente, mas amplo.” A Abecs tem entre seus associados os maiores bancos, bandeiras e credenciadoras do país. Juntos, representam mais de 90% de cada um dos segmentos de atuação.
Outras propostas foram ainda levadas ao BC. Uma diz respeito ao aumento da competição entre emissores via implementação da portabilidade para a dívida do cartão de crédito. A ideia é que o “open finance” ajude nesse processo, mas isso demanda ajustes no escopo do ecossistema, diz Vieira.
Há ainda a ideia de abrir uma discussão sobre a resolução 3.919, de 2010, que tratou de normas sobre cobrança de tarifas pelas instituições e gratuidade para serviços essenciais. “Ninguém quer criar tarifa, a proposta não é essa. Mas o mercado mudou muito desde que a regra foi criada”, diz Vieira. Uma possibilidade é que a norma seja mais principiológica.
Na semana passada, outras associações que representam empresas de pagamentos — a Associação Brasileira de Internet (Abranet) e a Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag) — também apresentaram ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, proposta de regulamentação da portabilidade, segundo apurou o Valor. No encontro, representantes expuseram a visão de que limitar o parcelado sem juros teria efeito sobre varejo e consumo e de que a tarifa de intercâmbio é suficiente para remunerar o risco do emissor nessas operações.
Diferentes participantes da indústria afirmam que as declarações de Campos sobre o parcelado sem juros conturbaram as discussões. Acreditam, ainda, que a solução de curto prazo mais viável passa pelo fim do rotativo, desde que isso não inclua alterações nos parcelamentos sem juros.
Ontem, em evento do Santander, Campos voltou a falar sobre o tema. Afirmou que o Brasil tem um sistema onde o consumo é baseado em cartão, que responde por quase 40% do total. “Talvez esse instrumento esteja tendo função além do que deveria”, afirmou. Ele acrescentou que, da carteira total de cartão de crédito, mais de dois terços são à vista e que, “como não existe nada sem juros, essa conta está sendo paga de outra forma”.
O presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy, disse que “nunca houve pretensão de acabar com parcelado sem juros”. “Temos de enfrentar os juros do rotativo, mas o redesenho passa por uma reformulação do cartão como um todo”, comentou o presidente o Santander Brasil, Mario Leão. (Colaborou Victor Rezende)
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