Por Roberto de Lira
A política monetária mais restritiva, que já havia mostrado seus efeitos nos meses anteriores nos itens mais sensíveis ao crédito, chegou também em artigos mais ligados à renda em dezembro, dizem analistas e economistas. O volume de vendas no varejo apresentou queda de 2,6% no último mês do ano comparação com novembro, informou nesta manhã o IBGE.
Matheus Pizzani, da CM Capital, destacou que o comércio ainda fechou 2022 com resultado acumulado de +1%, mas mostrando muito mais vetores de baixa do que de alta. “O destaque no sentido negativo ficou por conta da inflação elevada, que principalmente no primeiro semestre do ano comprometeu o desempenho do indicador ao impedir um maior nível de consumo por parte da população”, comentou
Ele afirmou ainda que o preço elevado especialmente dos combustíveis acabou corroendo a renda e reduzindo as respectivas cestas de consumo da população. “Isto fica mais nítido quando analisamos os resultados de grupos como o de ‘Outros artigos de uso pessoal e doméstico’, que contempla itens de consumo com caráter mais supérfluo”, disse, lembrando que esse grupo fechou negativo em 8,4% em 2022, a primeira queda desde 2016.
Outro grupo destacado por Pizzani foi o de móveis e eletrodomésticos, que fechou o ano com queda de 6,7%, a segunda consecutiva (-7% em 2020). “Além do problema da renda, este grupo sofreu de maneira expressiva com os efeitos da política monetária restritiva, que afetam os juros utilizados no fornecimento de linhas de crédito”, explicou.
Para 2023, a CM Capital acredita que o setor vai seguir siga em seu movimento de desaceleração. Além dos efeitos negativos da política monetária sobre o consumo, existe o risco da reversão das medidas legislativas que contribuíram para um melhor resultado do grupo de combustíveis no ano passado.
O que pode compensar essa tendência é uma queda da inflação de alimentos, embora a queda de atividade esperada para o ano possa reverter o processo de queda do desemprego, com impactos no comércio.
Segundo análise de Gabriel Couto, do Santander, no geral, foi um desempenho fraco do varejo em dezembro, com uma surpresa negativa considerável no índice restrito, que exclui vendas de materiais de construção e de veículos.
“Olhando para o futuro, esperamos que a atividade de varejo repita um desempenho morno nos próximos meses. Embora os destaques de dezembro tenham se concentrado nos segmentos de crédito, ainda esperamos números divergentes entre os segmentos de renda”, comentou.
A XP Investimentos também observou que o índice do varejo ampliado avançou timidamente, enquanto o indicador do varejo básico caiu em dezembro, o que mostrou um final de ano nada auspicioso.
Para a XP, mesmo com as altas de 2,4% na leitura mensal do grupo de Veículos, Motos e Autopeças e de 1,3% em Materiais de Construção, não é prevista uma tendência ascendente sólida para ambos os indicadores daqui para frente.
A estimativa, na verdade, é que, a vendas varejistas devem estagnar no curto prazo. “As vendas reais das atividades mais sensíveis ao crédito provavelmente estarão em território negativo, refletindo condições financeiras ainda mais apertadas, alto índice de serviço da dívida das famílias e maior percepção de risco no ambiente econômico”, disse a XP em sua análise. “Por outro lado, as vendas reais das atividades mais sensíveis à renda devem apresentar uma trajetória de crescimento modesta, em nossa visão”, completou.
Essa previsão leva em consideração uma estimativa que a renda disponível das famílias aumentará cerca de 2,5% em 2023, principalmente devido à expansão das transferências de renda do governo.
Mas a XP ponderou que a dinâmica do mercado de trabalho terá de ser acompanhada de perto ao longo deste ano. “No momento, prevemos que o emprego total enfraquecerá gradualmente daqui para frente, o que é compatível com o aumento dos rendimentos reais do trabalho até o segundo trimestre”, estimou. “ No entanto, uma deterioração mais acentuada da população ocupada significa um risco máximo para as nossas perspectivas de atividade econômica”.
Rafael Perez, economista da Suno Research, disse que a leve alta de 1,0% no comércio varejista em 2022 pode ser atribuída ao o setor de combustíveis e lubrificantes, que acumulou alta de 16,6% no ano e de 27,8% apenas no segundo semestre, período marcado pela queda nos preços internacionais do petróleo e pelas desonerações dos combustíveis.
“O resultado de 2022 também pode ser entendido à luz da melhora no mercado de trabalho e do Auxílio Brasil. E o segmento de mercados de hipermercados, de maior peso na pesquisa, foi um dos principais beneficiados dessa melhora no consumo”, comentou.
Contudo, Perez argumentou que a tendência de queda no setor observada nos últimos meses é um sinal de que a taxa de juros já começa a influenciar o setor, além do aumento do endividamento e inadimplência das famílias, o que vem diminuindo o ímpeto por gasto pelas consumo. “Por isso, dado o cenário doméstico ainda desafiador, acreditamos que nos próximos meses deve se manter essa tendência de desaceleração do segmento de varejo”, previu.
Tatiana Pinheiro, economista chefe da Galapagos Capital, afirmou que a queda no varejo restrito em dezembro mostrou sinais de que a política monetária deve ter mais efeito sobre atividade e a inflação nos próximos meses. O motivo é que os grupos mais relacionados à renda já estão sentindo essa tendência.
“As vendas de bens vinculados à renda mostram como a transferência de renda que, manteve a demanda ao longo de 2021 e 2022, está em leve tendência de queda nos últimos meses. As vendas de bens vinculados ao crédito já está em contração desde abril”, comentou.
O Banco Original, afirmou que a queda mensal bem acima das projeções foi baseada nas taxas negativas de sete das oito atividades pesquisadas. Apenas Livros, jornais, revistas e papelaria registrou uma taxa positiva de novembro para dezembro, de 0,1%.
“As variações no varejo já eram esperadas, refletindo um mix de condições macroeconômicas que são desaforáveis às famílias: recordes do comprometimento de renda e níveis de endividamento da população, reforçados pelos baixos rendimentos médios. Esses fatores comprimem o orçamento do consumidor, que tende a recorrer a linhas de crédito, que hoje possui juros mais elevados”, analisou o banco.
“Olhando para a frente, se por um lado temos uma ampliação de transferência de renda estimulando o comércio, pelo outro, o conflito do governo com o Banco Central vem causando recorrentes revisões altistas para as inflações futuras”, destacou o Original.
Para o banco esse cenário reforça uma política monetária “hawkish”, que mantém os juros elevados por mais tempo e dificulta o acesso ao crédito. “Para 2023, nossa projeção preliminar considera um avanço de 0,6% do varejo ampliado.”
O Bradesco BBI, por sua vez, afirmou que o conjunto decepcionante para as vendas no varejo em dezembro continua dando um tom pessimista para a atividade econômica no quarto trimestre de 2022.
“Os números bastante positivos de agosto a outubro parecem ter durado pouco, provavelmente ajudados pelo impulso no programa de ajuda Auxilio Brasil em agosto e eventos pontuais, como a Copa do Mundo”, comentou.
Fonte InfoMoney
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