Há alguns dias fiz a mediação de um webinar sobre as perspectivas para o FIDC (fundo de investimento em direito creditório) com a taxa Selic em dois dígitos. A discussão ocorreu em torno da concorrência, afinal de contas com a taxa de juros em dois dígitos os fundos de renda fixa tradicionais focados em crédito se tornam mais atrativos.
O FIDC é um fundo de investimento estruturado, ou seja, ele pertence a uma classe de ativos mais complexa, cuja compreensão é mais difícil para os investidores. De forma geral, produtos complexos são aqueles em que a mensuração do risco e a precificação dos ativos não é trivial, e cuja liquidez não facilmente observável. Ou seja, com a taxa básica de juros no patamar atual, é possível obter bons ganhos com fundos tradicionais de crédito sem incorrer nas complexidades do FIDC.
No início do debate um dos painelistas construiu seu argumento a partir da motivação inicial para a criação de um FIDC, e me fez repensar a forma como explico o produto aos meus alunos. A ideia central é que o FIDC surge para atender a uma necessidade de crédito de uma empresa, o que define sua estrutura, e só então ele “corre atrás” da captação.
De forma esquemática, nos fundos de renda fixa tradicionais os gestores desenham suas carteiras a partir de relações de risco / retorno existentes no mercado, oferecem ao investidor e depois “correm atrás” dos ativos.
A criação do FIDC
O FIDC surge da necessidade de crédito de uma empresa. Quando para financiar suas operações são necessários recursos acima do disponível no caixa, ela precisa recorrer a empréstimos bancários ou a emissão de dívidas, por meio de debêntures, por exemplo.
Outra maneira de resolver o problema é descontar os recebíveis (boletos, duplicatas, notas promissórias, etc) nos bancos ou junto aos FIDCs. Considerando custos e o spread bancário, em muitos casos o FIDC é mais vantajoso para quem deseja antecipar os recebíveis e financiar sua produção.
Spreads e custos menores estão na base da engenharia que permite aos FIDCs reduzir as taxas de desconto para as empresas e, ainda assim, oferecer uma remuneração melhor para os investidores.
Como o FIDC funciona
O FIDC pode ser constituído com fundo aberto, que resgata as cotas a qualquer momento, ou fechado, cujas cotas só podem ser resgatadas no seu encerramento ou negociadas em mercado secundário.
Atualmente os FIDCs só podem ser vendidos para investidores qualificados, pessoas físicas com mais de R$ 1 milhão em ativos financeiros, mas isto deve mudar com a nova regulação que se encontra em período de audiência.
O FIDC possui duas classes de cotas, a classe sênior e a subordinada. As sêniores são vendidas para os investidores e as subordinadas ficam com os cedentes dos créditos como uma espécie de garantia para os cotistas seniores. As subordinadas também podem ser negociadas para investidores, mas no Brasil isto ainda não é muito comum.
O fluxo operacional, simplificado, passa por:
•desenhar o fluxo de caixa da empresa,
•analisar a qualidade dos recebíveis,
•combinar as taxas de juros de cessão,
•definir o percentual mínimo de subordinação,
•efetuar a cessão, e
•vender as cotas.
Definidas estas variáveis, a atividade se concentra em a empresa apresentar os recebíveis no volume combinado e o fundo os adquirir pela taxa acertada.
A governança, como nos demais fundos, é um pilar importante. Uma série de prestadores de serviço são contratados para desempenhar um conjunto de atividades com a devida segregação de responsabilidades. Entre eles gestor, consultor de crédito e custodiante, além do administrador, merecem destaque.
Mitigação de risco
Entre os instrumentos de mitigação, a subordinação é considerada, por muitos, como a mais relevante. Por meio dela o cedente antecipa o fluxo de caixa dos recebíveis e se compromete a adquirir as cotas subordinadas do fundo.
Pela ótica do cedente dos créditos, ela funciona como uma espécie de alavancagem, posto que ele, por exemplo, poderá antecipar um fluxo de R$ 100 tendo como contrapartida a obrigação de adquirir R$ 20 em cotas subordinadas.
Estas cotas são utilizadas para remunerar as cotas seniores nos casos em que o nível de inadimplência dos recebíveis for superior ao projetado.
A pulverização dos sacados, os devedores dos boletos, é outro fator que reduz bastante o risco. Quanto mais próximo de uma boa diversificação, com muitos devedores de pequenos valores, menor a chance de o fundo ter problemas com default.
O FIDC possui outras tantas características que o torna um produto de investimento em ativos de crédito privado interessante, mas nosso espaço é limitado e as listadas aqui já são suficientes para esclarecer suas vantagens.
Voltando a questão da criação do FIDC, boa parte das fintechs de crédito que conhecemos utilizam o fundo para fazer funding para suas operações. Elas, as fintechs, em geral, se especializam em um nicho, alcançam esses clientes e prestam serviços baseados em aplicativos, mas não têm recursos para emprestar. Os FIDCs preenchem esta lacuna.
Espero que a nova regulação permita que os investidores em geral possam adquirir cotas de FIDC. Pensando em uma pizza de alocação, estes fundos são uma boa alternativa para preencher a parcela de crédito privado. Para investidores em geral é mais razoável adquirir um FIDC do que investir em um título de um único emissor atrelado a projetos cujo risco é difícil de mensurar.
Hudson Bessa é sócio da HB Escola de Negócios
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https://valorinveste.globo.com/blogs/hudson-bessa/coluna/os-fidcs-funcionam-como-mini-bancos.ghtml
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