Por Agência Estado
Ainda que os efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus sejam sentidos na maior parte do mundo, o Brasil deve fechar o ano com mais desemprego e um endividamento público maior do que a média dos dez países que registraram o maior número de mortos pela doença.
Os dados são de um levantamento feito pelo economista Marcel Balassiano, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a partir de projeções de outubro do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Os números ajudam a mapear os efeitos econômicos que devem se abater este ano sobre os países que fizeram uma gestão considerada errática da pandemia, como EUA e Reino Unido.
Para efeitos de comparação, o estudo considerou os mortos por covid-19 para cada 1 milhão de pessoas no fim do mês passado. O Brasil estava em quarto lugar, com 750 mortes por milhão – atrás de Peru, Bélgica e Espanha. Para evitar distorções, foram desconsiderados os Estados com população muito pequena, como Andorra e San Marino.
Os números traçam um cenário de perdas por conta dos efeitos da doença: a queda esperada para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é de 5,8% – menor do que a projetada há alguns meses, mas o país deve fechar o ano com desemprego de 13,4%, acima da média dos dez países com mais mortes (9,6%). Na comparação direta entre os países, o Brasil só deve ficar atrás da Espanha (16,8%).
A queda menor do PIB pode ser explicada pelas medidas tomadas pelo governo e o Congresso, como o crédito para empresas e o auxílio emergencial de R$ 600, que beneficiou quase 70 milhões de famílias.
É o caso de Luana Santana, de 27 anos. Quando começou a receber o auxílio, a manicure, que tem dois filhos, disse ao Estadão que estava preocupada por ter perdido clientes por conta da pandemia, mas aliviada por receber o auxílio de R$ 600. Em setembro, o benefício foi reduzido para R$ 300. “Agora, a preocupação voltou. A gente viu os preços no supermercado subirem e a renda cair pela metade.”
Na avaliação de Balassiano, o auxílio emergencial foi a medida mais importante tomada durante a pandemia. “Em fevereiro, a preocupação era como dar suporte aos vulneráveis. Agora, resta saber como o consumo vai reagir ao fim do benefício e ao aumento do desemprego.”
A falta de continuidade do auxílio emergencial e a indefinição do que será colocado no lugar ocorrem em um momento em que os brasileiros voltam a buscar o trabalho perdido na pandemia e o desemprego bate recorde. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua aponta que a desocupação no trimestre até agosto era de 14,4%.
A consultoria MacroSector prevê que a geração de empregos deverá ser positiva apenas na metade do ano que vem e que a massa real de rendimentos (que é a soma do que os trabalhadores receberam naquele mês) deve cair 1% este ano, em relação ao ano passado. “Em 2021, a pandemia vai continuar prejudicando não só o mercado de trabalho, mas a economia como um todo”, diz a consultoria.
Entre todos os efeitos da pandemia do novo coronavírus na economia, o endividamento é uma das questões que mais têm preocupado os economistas nos últimos tempos. O país pode fechar o ano com uma relação dívida/PIB de 101,4%, enquanto a média dos dez países com mais mortes por covid-19 deve ser de 85,8%, segundo critérios do FMI. EUA lideram essa lista, com um índice de 131%.
Balassiano, do Ibre, lembra que o país já enfrentava uma situação fiscal complicada nos últimos seis anos, antes mesmo da pandemia. O governo voltou a ter déficit primário – quando se gasta mais do que a arrecadação, excluindo-se os juros da dívida – em 2014 e as contas públicas seguem, desde então, em situação difícil.
“A dívida bruta, pelos critérios do Banco Central, cresceu de pouco mais de 50% do PIB, em 2013, para mais de 75% em 2018. Com a crise de 2020, em setembro, a dívida explodiu de vez.”
Ele ressalta que, com a crise econômica provocada pelo novo coronavírus, os países não tiveram alternativa além de gastar para evitar a quebradeira de empresas e socorrer os mais vulneráveis, mas que o Brasil terminará o ano pior que a média por já ter entrado na pandemia em uma situação preocupante.
Ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros concorda que o avanço do endividamento público nos últimos meses, embora preocupante, se deveu a uma tentativa de evitar um baque ainda maior na economia este ano. Para o ano que vem, no entanto, ele ressalta que o governo precisa sinalizar que está buscando saídas para reduzir a dívida.
“O passo para recolocar o déficit em um patamar estável é o governo passar a arrecadar de novo, o que já está acontecendo, mas não é suficiente. Vai ser preciso reduzir despesas ou aumentar impostos.” Ele sugere, então, um aumento de imposto por até cinco anos.
“Podem aumentar o Imposto de Renda da Pessoa Física e passar a tributar o dividendo da pessoa jurídica. Mas tem de ser uma coisa finita, para que, junto com o aumento da arrecadação, o governo consiga aprovar a redução de despesas. Em quatro ou cinco anos, dá para voltar a ter superávit. Tem de tributar quem ganhou com a recuperação, as empresas, os bancos. Eles precisam pagar um pedaço da conta”, diz o economista.
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