O Congresso Nacional acelerou projetos para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Mas alguns deles, na pressa por aprovação e sem o debate aprofundado, podem causar danos em setores da economia que, até aqui, pareciam sobreviver sem grandes sustos. O bancário é um deles.
Tramitam hoje, tanto no Senado Federal, quanto na Câmara dos Deputados, Projetos de Lei (PL) que podem mexer no sistema bancário de maneira importante. E isso pode afetar duramente as ações dos grandes bancos no país.
Por enquanto, as ações se comportam bem. No fechamento desta quinta-feira (14), Bradesco ON (BBDC3) subiu 4,33%, a R$ 16,38, e PN (BBDC4) elevou 5,49%, a R$ 17,88; Banco do Brasil (BBAS3) teve alta de 4,31%, R$ 26,65; Itaú (ITUB4) cresceu 4,40%, a R$ 22,55; e Santander (SANB11) avançou 4,18%, a R$ 23,94; e BTG (BPAC11) teve leve alta de 0,98%, R$ 38,12.
PL determina teto de 20%
Um dos PLs é o 1.166, de 2020, de autoria do senador Álvaro Dias (Pode-PR). Ele estabelece teto de 20% ao ano para todas as modalidades de crédito ofertadas por meio de cartões de crédito e cheque especial, para todas as dívidas contraídas entre os meses de março de 2020 e julho de 2021.
O PL está na pauta do Senado desta quinta-feira (14).
De acordo com o texto, caberá ao Banco Central (BC) a regulamentação e fiscalização. E durante esse período, os bancos e instituições financeiras não poderão reduzir o limite de crédito de seus clientes.
“Com a taxa Selic tão baixa, não é razoável manter juros superiores a 600% ao ano. Uma taxa de 20% é absolutamente satisfatória e suficiente para remunerar as instituições de crédito nesse período de crise”, argumentou o senador.
Em outras palavras, os bancos vão ter que no mínimo manter o volume de crédito de hoje, mas tendo que reduzir a 20%, no máximo, os juros aplicados.
Aumento da CSLL
Também no Senado Federal, o Senador Weverton (PDT-MA) apresentou o PL 911, de 2020, que altera a Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988, para elevar para 50% a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em relação às pessoas jurídicas de seguros privados e de capitalização.
A justificativa do parlamentar é que “nos últimos quatro anos, os ganhos dos três maiores bancos privados do país (Itaú, Bradesco e Santander) superaram R$ 260 bilhões. Só em 2019 foram R$ 81 bilhões. No quesito receita de serviços, obteve arrecadação de R$ 440 bilhões nos quatro anos, dinheiro vindo das tarifas bancárias, anuidades de cartão de crédito, taxas de operações de crédito, pagamento de transferências e outros”.
“O lucro conjunto desses bancos cresceu 13,1% de 2018 para 2019, superando com folga os principais indicadores da economia. Enquanto a inflação no período de quatro anos foi de 17,6%, os ganhos líquidos dos bancos superaram 81% no mesmo período”, argumenta.
E faz uma comparação: “para se ter uma ideia da dimensão desses lucros em um ano, o Bolsa Família, benefício pago para mais de 14 milhões de famílias, correspondente a aproximadamente 50 milhões de brasileiros, pagou R$ 33 bilhões, equivalente a apenas 30% do que os três bancos ganharam em 2019, R$ 81,6 bilhões, para aumentar ainda mais a riqueza de seus os proprietários, que são pouquíssimos”.
Geraldo Samor, jornalista do Brazil Journal, contra-argumenta dizendo que “é fácil não simpatizar com os bancos: o custo do dinheiro no Brasil é muito alto, e muita gente não perdoa os lucros bilionários. Mas os bancos já pagam mais imposto do que qualquer outro setor da economia: enquanto a alíquota efetiva da indústria é de 34%, nos bancos ela é de 45%”.
“A própria CSLL já foi aumentada em março, de 15% para 20%”, lembra.
Contra negativação
Já o PL 675, também de 2020, impede novas inscrições nos cadastros de empresas de análises e informações para decisões de crédito enquanto vigente a calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19.
A autoria é da dupla de deputados federais Denis Bezerra (PSB-CE) e Vilson da Fetaemg (PSB-MG), apresentado em 17 de março último e aprovado pela Câmara dos Deputados em 9 de abril.
“Esta Lei suspende as inscrições de registros de informações negativas dos consumidores, bem como os efeitos dessas informações, em cadastros por birôs de crédito que fazem análise financeira e que fornecem informações para decisões de crédito, desde que as inscrições tenham sido realizadas após a decretação do estado de calamidade pública relacionada à pandemia da Covid-19”, em 20 de março de 2020.
A suspensão de novas inscrições de negativados e dos efeitos das inscrições terá a duração de 90 dias, contados a partir de 20 de março, e poderá ser prorrogada por ato da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O PL foi aprovado pelo Senado nesta última terça-feira (12), por 72 votos a 4, na forma de um substitutivo apresentado pela relatora, senadora Rose de Freitas (Podemos-ES), e volta para a Câmara.
A relatora defendeu a proposta “em face dos efeitos econômicos adversos das medidas de isolamento social, especialmente aqueles afetados pela perda de renda informal, redução de salários ou suspensão de contratos de trabalho, sejam, também, penalizados pela perda de linhas de crédito em função do registro de informações negativas”.
Ao contrário do projeto original, previa a suspensão da inscrição dos consumidores inadimplentes por 90 dias, os senadores aprovaram a suspensão da negativação enquanto durar o período de calamidade, previsto até o fim do ano. O registro de informações negativas de consumidores durante a pandemia seja feito de maneira separada dos cadastros normais.
Linhas de crédito especiais
Emenda do senador Marcos Rogério (DEM-RO) determina que fica suspensa a execução de títulos e outros documentos de dívida.
Já sugestão do senador Angelo Coronel (PSD-BA), a inscrição nos cadastros negativos não poderá ser usada para restringir o acesso específico a linhas de crédito.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ainda sugeriu que os bancos públicos deverão disponibilizar linhas especiais de crédito de até R$ 10 mil para a renegociação de dívidas dos consumidores inscritos nos registros de informações negativas. Foi acatada.
“Trata-se de medida importante para as famílias que se veem afetadas pela pandemia” afirmou a relatora.
Contrários ao PL da negativação
Entretanto, segundo a Agência Senado, alguns senadores de diferentes legendas questionaram o PL.
“Na opinião do senador Telmário Mota (Pros-RR)”, informa a Agência, “o projeto é uma espécie de ‘lobo em pele de cordeiro’, pois pode servir de incentivo ao calote. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) reconheceu que o projeto é ‘bem intencionado’. Ele apontou, porém, que a proposta pode ‘prejudicar o sistema’.
Segundo o senador, o comércio pode preferir não vender com as condições colocadas pelo projeto: “o mercado não vai vender sem garantia. Com certeza, haverá redução de crédito. Quem é que vai vender sem ter a garantia de que não vai receber?”.
Havia ainda dois PLs que tratavam da mesma matéria: o 1.722, de 2020, de autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), e o PL 1.852, do mesmo ano, de autoria do senador Roberto Rocha (PSDB-MA).
Rocha reconhece no projeto o problema: “estamos diante de uma crise sem precedentes e somos sabedores de que esta pandemia trará consequências desastrosas para a economia global. Em nosso País, não é diferente, o cenário é de instabilidade, temendo-se igualmente o colapso econômico”.
Defende a iniciativa dizendo que “uma parcela significativa de cidadãos honrados e bons pagadores, diante de uma crise financeira de grandes proporções, não conseguirá, ainda que momentaneamente, arcar com seus compromissos financeiros”.
PL atende microempreendedores
PL número 1.359, de 2020, de autoria do senador Prisco Bezerra (PDT-CE), dispõe sobre a prorrogação de parcelas de empréstimo bancário, bem como sobre a suspensão da incidência de juros, de microempresários individuais e microempresas, em virtude da pandemia, pelo período de três meses ou durante o estado de calamidade pública.
O projeto está ainda em tramitação.
“Importante lembrar que, com a crise do coronavírus, uma das primeiras medidas do governo federal foi disponibilizar R$ 1,2 trilhão aos bancos brasileiros, de modo a garantir a liquidez do sistema, para que as instituições conseguissem liberar linha de crédito para seus clientes”, disse o senador à Agência Senado.
“No entanto, o que temos comprovado na prática é que os pequenos e médios empresários e as empresas físicas não estão sendo beneficiados com esse dinheiro, os bancos não reduziram as taxas de juros, não criaram novas linhas de crédito nem estão assegurando qualquer benefício efetivo”, concluiu.
Empréstimos de aposentados
A ações não partem só do Legislativo. O Judiciário tem dado sua contribuição nesse emaranhado de normas e leis que afentam os bancos.
Em 20 de abril, a Justiça Federal do Distrito Federal determinou que os bancos suspendessem a cobrança de parcelas de empréstimos concedidos a aposentados. Multos e juros também não poderão ser cobradas.
O juiz Renato Borelli, da 9ª Vara Federal Cível, argumentou que sua decisão fará com que os idosos não precisem sair de casa e, assim, não se exponham a riscos: “é medida necessária para garantir que os idosos, atingidos em maior número por consequências fatais da Covid-19, possam arcar com o custeio do tratamento médico necessário”.
Alerta ao populismo
“A consequência prática deste conjunto de medidas será infectar o sistema bancário com créditos de má qualidade e restringir (em vez de estimular) a concessão de crédito”, escreve Samor, “na medida em que os bancos jogarão ainda mais na defesa, no pequeno campo de manobra que ainda lhes restará”.
“Nenhuma blindagem é imune a um maçarico populista trabalhando 24 horas por dia”, argumenta.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, “o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, tem conversado com os senadores, inclusive o presidente da casa, Davi Alcolumbre, e levado a eles argumentos como a possibilidade de ‘redução severa’ do crédito por conta da medida”.
Aumento do crédito
A Febraban publicou na segunda-feira (11) nota informando que “as concessões de crédito, para o período de 16 de março a 30 de abril de 2020, somam R$ 472,6 bilhões, incluindo contratações, renovações e suspensão de parcelas. Os dados consolidados mostram um total de contratações de operações de crédito de R$ 326,8 bilhões”.
“Além disso”, segue a nota, “o setor já renegociou 7,4 milhões de contratos com operações em dia, que têm um saldo devedor total de R$ 424,95 bilhões. A soma das parcelas suspensas dessas operações repactuadas totaliza R$ 40,78 bilhões. Esses valores trazem alívio financeiro imediato para empresas e pessoas físicas, que passaram a ter uma carência entre 60 a 180 dias para pagar suas prestações”.
Ou seja, os bancos argumentam que já estão fazendo a repactuação das dívidas contraídas, seja em suspensão, seja em prorrogação das parcelas.
Os novos empréstimos somam R$ 326,786 bilhões e o alívio de caixa, R$ 40,786 bilhões, com a suspensão das parcelas, “o que representa uma injeção de R$ 367,6 bilhões em novos recursos na economia”, diz a Febraban.
“Adicionalmente, foram feitas renovações de operações no total de R$ 105 bilhões, permitindo que empresas e famílias mantivessem esses recursos em seu poder para honrar outros compromissos”, diz a nota.
E a Febraban ainda ressalta que houve expressivo aumento na demanda por crédito em geral: “na comparação de março/abril de 2019 com o período de 16 de março a 30 de abril, houve alta significativa nas concessões para Pessoa Jurídica no segmento livre (PJ), de 75,5%, considerando a média por dia útil para cada período”.
Birôs de crédito ampliam prazo
Em 14 de abril, a Associação Nacional dos Birôs de Crédito (ANBC) e a Febraban, anunciaram que estenderiam o processo de negativação, em geral de 10 dias, para 45 dias, a partir de 17 de abril.
A medida é válida por 90 dias e pode ser prorrogada.
O objetivo é “manter o fluxo de informações para avaliação do crédito e ao mesmo tempo conceder prazo adicional para que credores, consumidores e empresas possam renegociar seus créditos, neste momento que requer diálogo e cooperação”, diz a Febraban.
Impactos do PL dos 20%
Segundo o Estadão, “a combinação de um teto para os juros com a obrigatoriedade de preservação do limite fará, de acordo com a Febraban, com que o cheque especial traga ‘enormes prejuízos’ aos bancos em um momento em que o volume de perdas já deverá crescer de forma expressiva por conta da pandemia. No primeiro trimestre, os grandes bancos já reforçaram suas provisões para devedores duvidosos, as chamadas PDDs, temendo um salto na inadimplência por conta da crise”.
“Estas perdas terão como consequência uma queda nos níveis de capitalização dos bancos e uma consequente redução da sua capacidade de emprestar em outras linhas de crédito”, alertam os bancos.
“Em relação ao cheque especial, a fixação dos juros em no máximo 20% ao ano é um nível ‘irreal’, de acordo com a Febraban, e não cobre os custos associados à inadimplência, que é cinco vezes maior na modalidade do que em outros empréstimos para a pessoa física e, portanto, o principal componente na formação dos juros cobrados”, informa o jornal.
Relatório da UBS Brasil estima que “desse limite seja muito maior que o limite recente de 8% ao mês no cheque especial. Um cálculo indica um impacto negativo de mais de 19% da receita líquida dos bancos. O Itaú seria o banco mais afetado, pois possui maior participação de mercado no negócio de cartões de crédito.
Os bancos poderiam aumentar suas taxas anuais para desencorajar o uso de cartões de crédito e muitas fintechs provavelmente não seriam viáveis com esses limites impostos por lei.
“Também”, segundo a UBS, na se descarta que “os bancos que reduzam (ou mesmo eliminem) as parcelas sem juros. Isso teria uma implicação negativa no uso dos cartões como meio de pagamento. Além disso, vários varejistas dependem de cartões de crédito para impulsionar as vendas e o impacto pode ser grande. Finalmente, a adoção de pagamentos digitais deve ocorrer mais rapidamente, pois os bancos provavelmente tentarão encontrar alternativas aos cartões de crédito (emulando as funções dos cartões em uma carteira digital e essa solução pode não estar incluída nesses limites)”.
Nas redes varejistas
A UBS mostra que as maiores redes varejistas, com seus próprios cartões, seriam impactadas com o teto de 20% do PL de Álvaro Dias.
A Renner, por exemplo, parcela em 7 ou 8 vezes, com juros de 6,9% ao mês e de 122,7% ao ano. A Riachuelo, com parcelamento em 8 vezes, cobra juros iguais à concorrente.
O Ponto Frio é a rede que menos cobra juros, com 1,9% ao mês e 25,2% ao ano. Já a C&A e a Casas Bahia, para venda fora de sua própria rede, cobra 8% ao mês e 151,5% ao ano.
Matéria do Estadão reafirma a palavra dos bancos sobre o problema: “uma ação que limite o crédito neste momento pode causar um ‘efeito contrário’ e ‘agravar ainda mais’ o problema do país. O resultado, alertam, pode ser ‘menor volume de vendas, mais recessão, mais informalidade e mais dificuldades para a maioria dos portadores de cartão e do comércio atravessarem esse momento'”.
https://www.euqueroinvestir.com/projeto-de-lei-que-limita-juros-em-20-e-pode-afetar-acoes-dos-bancos/