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Governadores criticam “novo ICMS” sobre combustíveis e ensaiam contra-ataque

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Por Marcos Mortari

InfoMoney

SÃO PAULO – O projeto de lei complementar que institui uma nova metodologia para a cobrança do ICMS pelos estados e Distrito Federal sobre combustíveis (PLP 11/2020) desagradou boa parte dos governadores, que ensaiam uma resposta no Senado Federal ou mesmo no Supremo Tribunal Federal (STF), caso o esforço para modificar o texto aprovado pela Câmara dos Deputados não prospere.

Embora o substitutivo tenha deixado de fora ideia original do governo federal de instituir alíquota única para o imposto cobrado em todas as regiões do País, persiste a avaliação entre os gestores de que o movimento acarretará perda de arrecadação para os estados – o que também comprometerá os repasses aos municípios.

Críticos também entendem que a medida busca tirar o foco dos reais fatores que provocam a disparada dos preços. Para eles, o projeto de lei complementar não garantirá uma redução sustentável e duradoura no valor pago pelo consumidor final para encher o tanque.

Hoje, o imposto corresponde a um percentual entre 25% e 34% incidente sobre o preço da venda da gasolina e de 12% a 25% sobre o diesel. A alíquota incide sobre o chamado Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) – valor de referência calculado pelos entes a cada 15 dias. Entenda a fórmula.

Caso a nova regra entre em vigor, o ICMS cobrado em cada estado será fixo e calculado com base no preço médio dos combustíveis nos dois anos anteriores. Mas, para isso, ainda precisa passar pelo Senado Federal e ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O substitutivo prevê que as alíquotas específicas sejam fixadas anualmente e valham por 12 meses a partir da data de sua publicação – sem possibilidade de reajuste até o período seguinte. Isso implica em uma mudança do sistema ad valorem (flutuante conforme o preço) para o ad rem (fixo, independente do preço).

A arrecadação não poderia exceder, em reais por litro, o valor da média dos preços ao consumidor final usualmente praticados no mercado, considerado ao longo dos dois exercícios imediatamente anteriores.

Considerando os preços atuais, a mudança acarretaria imediata redução dos valores arrecadados pelos estados com o tributo – um hiato que só cresceria a cada novo reajuste nos preços aplicados pela Petrobras. Governadores reclamam que ficaram de fora do debate e estão sozinhos pagando o preço de uma conta que não é deles.

Como o imposto é um entre outros componentes do preço final, não haveria garantias de redução nos valores cobrados na bomba. Novos reajustes de preço poderiam, em tese, tragar o que se deixaria de repassar por litro de combustível aos entes subnacionais, fazendo com que o consumidor final não sentisse os benefícios do projeto aprovado.

“O texto aprovado leva em consideração [a média de preços de] janeiro de 2019 a dezembro de 2020, ignorando tudo que aconteceu em 2021. Neste ano, enfrentamos oito aumentos de preços [nos combustíveis]“, critica o secretário de Fazenda do Espírito Santo, Marcelo Altoé. A pasta está refazendo as estimativas dos impactos da medida, que deve superar os R$ 500 milhões para o estado em 2022.

“Ainda que haja essa redução abrupta, o projeto não gera nenhuma garantia que vai haver efetivamente redução de preço. Se a Petrobras continuar elevando os preços, não vai ter ICMS reduzido que faça frente”, alertou.

Para efeitos de comparação, em janeiro de 2019, o PMPF dos estados variava de R$ 3,9260 (Amapá) a R$ 4,9420 (Acre) por litro de gasolina. Hoje, os preços vão de R$ 5,1430 a R$ 6,4957 nos mesmos estados, segundo Ato Cotepe divulgado no site do Confaz. Os valores são componente fundamental para a definição do ICMS recolhido.

Um dos patrocinadores do projeto de lei, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sustenta que as mudanças devem levar à redução do preço final praticado ao consumidor de 8% para a gasolina comum, 7% para o etanol hidratado e 3,7% para o diesel B.

O ICMS é a segunda variável de maior impacto sobre o preço do diesel e da gasolina na bomba, correspondendo, em média, a 27,9% e 15,4%, respectivamente. Só perde para o próprio preço de realização da Petrobras: 33,6% e 54,0%, na ordem.

Embora as alíquotas não tenham sofrido modificações recentemente, a alta do preço final trouxe um impacto ainda maior do tributo – o que gerou um “rebote” sobre os preços e uma queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e gestores estaduais.

Os combustíveis são uma das categorias que mais sofreram reajuste nos últimos meses. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a gasolina acumula uma alta de 39,60% em 12 meses até setembro. O óleo diesel, 33,05%. Já o etanol, 64,77%.

O movimento se explica por uma combinação de fatores, como a alta do preço do barril de petróleo no mercado internacional e a apreciação do dólar ante o real.

A aprovação do PLP 11/2020 foi vista como mais uma vitória política de Arthur Lira, que conseguiu driblar as resistências de governadores e costurar um acordo entre os pares. Também pesou a percepção de parlamentares de que obstruir a matéria poderia ser interpretado pela sociedade como uma manifestação contrária à redução de impostos – o que, a menos de um ano das eleições, poderia custar caro.

Mas o êxito na Câmara dos Deputados não necessariamente indica vida fácil para a proposta no Senado Federal, casa que tem demonstrado menor alinhamento ao governo Bolsonaro e onde a pressão de governadores costuma surtir maior efeito. E as articulações já começaram.

Para gestores estaduais consultados pelo InfoMoney, a conta recaiu exclusivamente sobre estados e municípios, enquanto a Petrobras teria sido poupada, apesar das frequentes críticas de Arthur Lira à política de preços praticada. Agora, eles planejam atuar em duas frentes para virar o jogo.

No Senado, tentam convencer os parlamentares a conduzir um debate mais amplo, incluindo a própria estatal (o que pode mexer com os ânimos de investidores, que reagiram positivamente ao PLP), e alertando para os impactos do texto votado pelos deputados sobre o provimento de serviços públicos à população.

Ontem (14), inclusive, foi realizada uma reunião extraordinária do Comitê de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz) para tratar do assunto e desenhar estratégias de atuação. Um dos pontos acordados foi pedir ajuda ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Cada secretário também vai avaliar a posição da bancada estadual para articular apoio.

“Entendemos que o projeto aprovado na Câmara dos Deputados é repleto de impropriedades”, afirma Altoé. “Há um consenso [entre os governos] de que vai ser necessário demonstrar aos senadores as impropriedades do projeto e, em especial, que seja aberto um diálogo para que se busque uma solução. Os estados não são contrários a debater sobre a questão do ICMS sobre os combustíveis. Nosso pleito é uma abertura de diálogo para encontrarmos uma solução em conjunto. Agora, não há solução sem a participação da Petrobras”.

“Fica parecendo que o ICMS é o único item que compõe o custo, quando na verdade é apenas mais uma variável do preço final. Querem colocar na conta dos estados um problema cujo vilão principal não são os estados, e sim essa política de preços da Petrobras. Qual é o sentido que há o preço ser 100% dolarizado se praticamente 70% da produção é nacional? Isso não está sendo discutido. Estão discutindo só o valor do ICMS dos estados, no qual não há alteração de alíquota há anos”, critica.

O Comsefaz estima que a proposta reduzirá em R$ 24,1 bilhões as receitas estaduais e municipais. A entidade também contesta os cálculos de redução dos preços apresentados por Arthur Lira como forma de convencer os pares a votar favoravelmente à matéria.

Paralelamente ao trabalho de convencimento dos senadores, os governadores já consideram a possibilidade de ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF), sob alegação de inconstitucionalidade da proposta aprovada. Eles entendem que a definição do ICMS caberia exclusivamente às assembleias legislativas.

“Damos como certa a judicialização caso a lei seja aprovada da forma como virá ao Senado”, diz Altoé. “Acreditamos na inconstitucionalidade da proposta. Ela fere a autonomia federativa e viola a Lei de Responsabilidade Fiscal, porque não estabelece de que forma vai haver uma contraprestação a essa renúncia fiscal concedida. Também entendemos que esse PLP estaria extrapolando os limites da Lei Complementar para fixar os valores fixos. Isso não é uma base de cálculo prevista na Constituição Federal”.

O governador do Piauí, Wellington Dias (PT), presidente do Consórcio Nordeste, disse que o desenho em discussão não ataca os reais problemas e deve comprometer as contas dos entes subnacionais. Somente no estado, a Secretaria da Fazenda estima perda de arrecadação de R$ 468 milhões com a medida. Os combustíveis respondem por 25% do ICMS recolhido.

Em vídeo divulgado à imprensa, Wellington Dias defendeu a capitalização de um fundo de equalização dos combustíveis, que, segundo ele, poderia fazer o preço do litro da gasolina cair para R$ 4,50.

Para o governador, os parlamentares também deveriam se debruçar sobre uma reforma tributária ampla. Seria o caso da PEC 110/2019, cujo relatório foi apresentado pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA) na semana passada.

“Por que não se trabalha, com muita força, a proposta que o próprio ministro Paulo Guedes (Economia) e agora o próprio presidente Bolsonaro já admitiram, de capitalizar um fundo de equalização dos combustíveis? Isso, sim, faz cair o preço da gasolina para aproximadamente R$ 4,50, e não apenas R$ 0,40. Na verdade, a gente tem que trabalhar mesmo pela reforma tributária – e tem acordo dos governadores. Aqui, sim, vai fazer a diferença”, disse.

Uma alternativa discutida pelos governadores seria congelar por 60 dias o preço de referência usado para a cobrança do imposto. Também está na mesa a diminuição do número de vezes que esse preço é alterado. O congelamento de preços até o final do ano, por exemplo, poderia dar tempo aos secretários para aprofundar o debate com os senadores. Outra possibilidade, considerada menos viável, seria a fixação do preço em acordo envolvendo a própria estatal.

“A tendência é fazer um contraponto a esse grande bode colocado na sala. Talvez o menor dos males seja alinhar para um congelamento de preços até dezembro”, afirmou o secretário de Fazenda de Alagoas, George Santoro, ao jornal O Estado de S.Paulo. Na última reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), depois de um clima tenso, ele pediu vistas à proposta do Maranhão e de Minas Gerais de congelamento do preço de referência. O assunto voltou a ser discutido após a aprovação relâmpago do PLP 11/2020 pelos deputados.

Santoro reconhece que é difícil “competir” com as emendas parlamentares, que têm garantido a aprovação de projetos sem discussão técnica. “Infelizmente estamos vivendo momentos complicados. Com o orçamento das emendas parlamentares, o Congresso fica com poder gigantesco e não mais interlocução técnica”, criticou.

Caso o texto seja aprovado pelo Senado, as assembleias legislativas terão que aprovar a regulamentação da medida e mudar os projetos de orçamento dos estados já enviados (uma vez que a estimativa de arrecadação precisará ser refeita). Como o projeto tem apelo popular, os governadores tentam desfazer a imagem de “vilões” da alta dos combustíveis e incluir a Petrobras na discussão para evitar a sanção de um texto tão desfavorável aos entes subnacionais.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, condicionou a “boa vontade” com a mudança na cobrança do ICMS a uma avaliação efetiva do impacto no preço dos combustíveis. “É algo que interfere ali no dia a dia e na previsibilidade do orçamento dos Estados. Vamos considerar essas informações, vamos permitir esse diálogo”, disse Pacheco.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), disse que o projeto de lei complementar aprovado pelos deputados “é uma ação equivocada, que não vai resolver o problema” dos preços dos combustíveis.

Para ele, o debate acerca do ICMS cobrado sobre os combustíveis foi conduzido funcionou como uma espécie de “cortina de fumaça sobre o real problema”.

“O imposto nos Estados gira em torno de 25% e 34%, e é assim há mais de uma década. Quando a gasolina custava R$ 2,00, era o mesmo imposto. No caso do Rio Grande do Sul, em janeiro deste ano, a gasolina tinha em média preço de R$ 4,50, e agora vai a R$ 6,50, quase R$ 7,00, e não aumentou o imposto”, afirmou em nota.

Leite também argumenta que o PLP “fere a previsibilidade dos governos”, já que todos os gestores estaduais encaminharam suas leis orçamentárias às respectivas assembleias legislativas, com expectativas de receita e a destinação dos recursos arrecadados.

“Só no Rio Grande do Sul, se a proposta estivesse em vigor, a perda estimada seria de R$ 980 milhões em arrecadação de janeiro a setembro de 2021, o que levaria a perda para quase R$ 1,5 bilhão brutos em base anual”, afirmou.

Avaliação similar tem o governo de São Paulo, comandado por João Doria (PSDB). Em nota, a Secretaria da Fazenda e Planejamento, liderada pelo ex-ministro Henrique Meirelles, disse que o projeto é uma “tentativa de tirar o foco do governo federal, verdadeiro responsável pela política de preços dos combustíveis, e passar a conta para os estados”.

Segundo o governo paulista, a arrecadação do setor de combustíveis representa 10% da receita total do ICMS. Com as novas regras, as estimativas apontam para perdas de R$ 6,5 bilhões por ano para o estado.

“A mudança não faz sentido e prejudica os estados, pois o preço dos combustíveis é fixado pela Petrobras, com base na cotação internacional do petróleo. Cabe ao governo federal, controlador da empresa, resolver o problema – não repassar aos estados, que têm menor poder de arrecadação e estão na frente de prestação de serviços ao cidadão, como saúde, educação e segurança”, diz a nota.

O governo paulista recomenda, ainda, que, diante do relevante impacto da medida sobre a arrecadação dos Estados, o Senado Federal encaminhe o assunto com “muita prudência” e sugere que o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) seja consultado pelos parlamentares durante a análise do texto.

Outro governo que se diz muito prejudicado pelo projeto de lei complementar em discussão é o do Rio de Janeiro. Segundo o governador Cláudio Castro (PL), as novas regras poderiam reduzir em R$ 1,3 bilhão a arrecadação anual do estado – já em processo de recuperação fiscal.

“Se reduzíssemos para 25%, uma alíquota praticada em muitos estados, perderíamos R$ 500 milhões. O Rio de Janeiro topa rediscutir toda a cadeia para abaixar o preço para a população. O que não dá é cortar ICMS e a Petrobras continuar aumentando [o preço]. Tem que ter uma política para reduzir em toda a cadeia”, disse ao jornal Folha de S.Paulo.

O governo de Minas Gerais estima uma perda de arrecadação de R$ 3,6 bilhões por ano com a possível aprovação do projeto de lei complementar nos termos votados pela Câmara dos Deputados, o que também teria impacto direto nos cofres dos 853 municípios do estado, uma vez que 25% (R$ 900 milhões) são destinados às prefeituras.

Os combustíveis respondem por 19,6% do total arrecadado com ICMS no estado. Mas, em nota, a administração mineira disse que “respeita a autonomia do Congresso Nacional na avaliação de alterações legislativas”.

(com Agência Estado)

 
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