O governo ainda discute questões relacionadas à divisão de riscos e ampliação de público-alvo da linha de crédito voltada para micro e pequenas empresas afetadas pela crise, segundo apurou o Valor. Há dúvidas sobre se os ajustes teriam de passar pelo Congresso Nacional ou se uma regulamentação do Ministério da Economia seria suficiente, o que pode atrasar a oferta de recursos.
No dia 19 de maio, o presidente da República sancionou a lei que cria o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), voltado a companhias com faturamento anual até R$ 4,8 milhões. A linha contará com recursos do Fundo Garantidor de Operações (FGO), do Banco do Brasil, que será reforçado com R$ 15,9 bilhões para a modalidade de crédito.
Pelo texto da lei, 85% do risco de inadimplência da linha ficarão com o governo, mas não está claro se as primeiras perdas seriam assumidas somente pelo Tesouro Nacional ou também pelos bancos. “Estamos negociando aumento do risco assumido por parte do governo. Não tem outra forma para sustentar a recuperação econômica que será necessária”, diz um executivo do setor financeiro.
Fontes do governo reconhecem que o texto ficou “truncado”, o que está gerando insegurança para o mercado e pode, eventualmente, atrasar a liberação dos recursos. Mas um interlocutor da área econômica ressaltou que as primeiras perdas da linha terão 100% de garantia do Tesouro Nacional, o que significa que as instituições financeiras só teriam prejuízo caso a inadimplência da carteira fosse superior ao patamar de 85%, o que acham difícil de acontecer.
Os bancos estariam reticentes com a fatia de 15% no risco porque acreditam que muitas empresas de menor porte não conseguirão atravessar a crise, afirmou um interlocutor. Mas, na avaliação de uma fonte do governo, não dá para aumentar a garantia de 85% fornecida por restrições fiscais e insegurança jurídica dos servidores. Mesmo com a medida provisória editada pelo governo para blindá-los de punições por decisões adotadas durante o período da pandemia e, com isso, evitar o “apagão das canetas”, o temor persiste.
Nesta semana, haverá uma reunião para definir se a questão da participação apenas do governo nas primeiras perdas precisa estar clara em uma nova Medida Provisória a ser encaminhada ao Congresso Nacional, ou se somente uma regulamentação da linha de crédito pelo ministério da Economia seria suficiente. Uma alternativa é que o esclarecimento conste na MP que abrirá um crédito extraordinário para dar base orçamentária ao programa.
Mesmo com mais clareza em relação aos riscos, há uma preocupação da equipe econômica quanto ao interesse dos bancos privados em operar a linha devido à necessidade de capital próprio. E a taxa de juros fixada na lei é Selic mais 1,25% ao ano, inferior ao custo de capital das instituições financeiras. O Ministério da Economia queria vetar o ponto, mas houve forte reação do Congresso à ideia e o presidente Jair Bolsonaro acabou cedendo.
No Pronampe, as microempresas poderão tomar emprestado o equivalente a até 30% de sua receita bruta no ano de 2019. Para aquelas que operam há menos de um ano, o limite é 50% do capital social ou 30% da média do faturamento mensal, o que for mais vantajoso. Os recursos darão apoio a investimentos e capital de giro, mas não poderão ser distribuídos como lucro e dividendos. O microempresário terá 36 meses para pagar.
O governo ainda planeja encaminhar para o Congresso uma medida provisória ou aproveitar algum projeto de lei em tramitação para criar dentro do Pronampe uma linha de crédito para profissionais liberais. Da forma como a lei foi aprovada, só profissionais liberais da área de saúde poderiam ter acesso aos recursos disponibilizados.
Estudos do governo consideraram que as credenciadoras de cartões, empresas de “maquininhas”, fossem distribuidoras desses recursos da linha do Pronampe, desde que tivessem 100% de garantias com o fluxo de recebíveis das transações. Mas os técnicos do governo chegaram à conclusão que não tem como isso ser feito pois a operação da linha precisa passar por uma instituição de crédito.
De acordo com interlocutores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está irritado com a demora em colocar no mercado as linhas de crédito para as micro e pequenas empresas, além daquelas destinadas às empresas de médio porte. O Valor apurou que ele estabeleceu esta como a “semana do crédito” e tem cobrado sua equipe. Quer ver as linhas operando já na semana que vem.
No caso das linhas para empresas de médio porte, o governo pretende reforçar o Fundo Garantidor de Investimentos (FGI), administrado pelo BNDES. No entanto, está pendente a edição de outra MP com crédito extraordinário para essa finalidade.
O grande receio da equipe econômica é que as linhas de crédito para micro, pequenas e médias empresas não funcionem, a exemplo do que já ocorreu com o financiamento às folhas de pagamento. Encalhada, essa linha de crédito está sendo reformulada.
https://www.sinfacsp.com.br/noticia/governo-ainda-ajusta-linha-de-credito-para-mpes-valor-economico